domingo, 12 de dezembro de 2010

Blog, Twitter e Orkut vão contar histórias de favelas sob jugo do tráfico ou das milícias; anonimato será garantido

RIO - Durante a ocupação do Complexo do Alemão pelo estado no mês passado, depois de décadas de domínio do tráfico, foi comum ver moradores apontando para militares e policiais os esconderijos e as casas de traficantes. Os gestos e as vozes, mesmo que ainda tímidos, revelaram muito mais do que os redutos dos bandidos. Mostraram que a comunidade, que durante anos viveu amordaçada pela lei do silêncio imposta pelos criminosos, finalmente conseguia ter voz. Mas, se no Alemão a liberdade de expressão começa agora a ser mais do que um sonho distante, o mesmo não acontece na maioria das favelas do Rio, onde hoje cerca de 1,070 milhão pessoas ainda vivem sob o jugo de milicianos ou traficantes. Para conhecer suas histórias, O GLOBO lança hoje o projeto Favela Livre, um espaço que pretende, além de resgatar relatos de anos e anos de opressão nesses locais, discutir soluções.

O Favela Livre usará a nova tecnologia para falar dos velhos problemas das favelas cariocas. Um blog ( www.oglobo.com.br/favelalivre ) entrará no ar hoje, e leitores das comunidades dominadas poderão ter seus posts - contando sonhos, explicando como a violência afeta suas vidas, mostrando o sofrimento de perder um filho para o tráfico - publicados, após mediação de jornalistas do GLOBO. Os temas são livres e podem ir desde histórias cotidianas, como a obrigatoriedade de comprar botijões de gás por valores mais altos em locais indicados por milicianos, a textos sobre a esperança de mudanças nas favelas. Denúncias sobre crimes não fazem parte do projeto e serão encaminhadas à polícia. O anonimato - condição que, para muitos, significa a diferença entre morrer e continuar vivo - será garantido pelo GLOBO.

Especialistas em urbanização e violência urbana, por exemplo, também vão enviar artigos, selecionados pela editora assistente Liane Gonçalves e pelo editor adjunto Jorge Antônio Barros. Os 228 mil moradores das favelas que já têm uma das 13 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) também podem colaborar, escrevendo sobre o que mudou com a presença do estado. O mesmo vale para os 102.735 habitantes dos complexos do Alemão e da Penha, que, embora não tenham ainda UPPs, viram seus territórios serem retomados pelo poder público.

Repórteres da Editoria Rio vão ganhar espaço para contar os bastidores de suas visitas às favelas e detalhes que não foram publicados no jornal e no site. A estreia nesse campo será de Antonio Werneck, que lembrará as duas vezes em que foi à Vila Cruzeiro ocupada pelos bandidos e os primeiros momentos da comunidade retomada pelo estado:

"Fui três vezes à Vila Cruzeiro. A primeira, quando o jornalista Tim Lopes desapareceu; a segunda, para cobrir um show de Caetano Veloso; e a última, quando as forças de segurança tomaram a favela. Só pude entrar sem dar explicações ou pedir autorização quando a região voltou ao controle do estado."

Além do blog, um perfil no Twitter ( www.twitter.com/favelalivre ) receberá mensagens dos moradores de favelas aonde a democracia ainda não chegou de fato, como mostrou a série "Os brasileiros que ainda vivem na ditadura", publicada pelo GLOBO em 2007. Ganhadoras de vários prêmios, as reportagens mostraram que direitos básicos, como liberdade de expressão, direito de associação e inviolabilidade do lar, eram constantemente desrespeitados.

Um dos casos que ilustraram a série foi a história do funcionário público Cláudio Daltro Barbosa, que tatuou nas costas uma carta de 13 linhas, misto de declaração de amor e despedida, endereçada ao filho, Diego, desaparecido após um desentendimento com um PM ligado à milícia da Vila Sapê, em Jacarepaguá. Diego e o miliciano discutiram por causa de uma mulher. Depois disso, ele passou a ser um dos cerca de 7.300 casos de desaparecimentos catalogados, de 1993 até junho de 2007 pelo Serviço de Descoberta de Paradeiros da Delegacia de Homicídios. No vácuo deixado pelo estado, a ditadura imposta por esses grupos no Rio produziu, em 14 anos, 54 vezes mais desaparecidos que os 136 registrados em todo o país nos 21 anos do regime militar.

O Favela Livre também estará no Orkut: hoje, entra na rede social um perfil do projeto e uma comunidade dedicada a ele. E-mails também serão uma fonte de contato dos leitores, moradores e demais colaboradores. Basta mandar as mensagens para favelalivre@gmail.com. Quem não tiver acesso à internet pode procurar o Serviço de Atendimento ao Leitor (SAL) do GLOBO, pelo número 2534-4324.

"O Favela Livre é um espaço para se discutir e se conhecer histórias, que não podiam ser contadas, de quem ainda vive a ditadura do tráfico e da milícia. É também um fórum de discussão entre especialistas, moradores de áreas com UPP. Nos acostumamos a achar normal que mais de um milhão de pessoas ainda vivam fora da democracia, sem os direitos dos cidadãos do asfalto. Sempre recebi muitos e-mails de moradores de favelas, querendo contar, anonimamente, suas vidas. Agora, abrimos esse espaço" diz o editor da Rio, Paulo Motta, que teve a ideia de criar o projeto.

Como participar

O blog do Favela Livre está no ar: www.oglobo.com.br/favelalivre

Siga no Twitter:

Usuários podem escrever para @FavelaLivre

No Orkut:

Foram criados o perfil Favela Livre e uma comunidade com o mesmo nome .

Serviço de Atendimento ao leitor (SAL): telefone para 2534-4324.

Mensagens também podem ser enviadas para o e-mail: favelalivre@gmail.com

Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/12/11/blog-twitter-orkut-vao-contar-historias-de-favelas-sob-jugo-do-trafico-ou-das-milicias-anonimato-sera-garantido-923253425.asp

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A catarse televisiva

Os padrões precisam ser respeitados, as condutas também. Formas politicamente corretas de montar uma matéria para TV, bem como a postura intocável e profissional de um repórter de telejornalismo precisa ser mantida para que a informação seja passada de forma idônea e mais direta possível. Tal análise é completamente aceitável e livre de constatações. Exceto quando se trata de estar cobrindo a maior guerra contra o tráfico de drogas que o Brasil já viu – o chamado factual.

Alguns profissionais que até então mostravam sua experiência em coberturas internacionais se juntaram àqueles que, mesmo com pouca quilometragem, já têm o ardor pela busca da informação. Na prática, o que vale é quem está no lugar certo, na hora certa. A respiração ofegante do repórter, a câmera tremida por corridas e passos apressados, são facilmente respeitadas e deixadas de lado.

Tanques, armas, bombas, tiroteios, tropas e traficantes. O que sobra? A imagem. Do que serviria o belo dom da palavra se não fosse o impacto das imagens? A maior arma é a palavra munida de uma filmadora. Incomparável é ver e se emocionar com os fatos. Mas, o ser olimpiano, aquele repórter que dá sua vida em nome da profissão e da informação, desce do pedestal e se mostra como cidadão comum, passível de emoções. Mostra-se como aquele homem-profissional que, como todos, está com medo, cuidando da sua própria vida e dos seus demais. Os cameramen viram irmãos, cada passo de um, seguido pelo outro.

O repórter e a imagem

Os ternos bem alinhados e as roupas impecáveis dão lugar ao colete à prova de balas. As maquiagens retocadas e os cabelos bem aparados cedem espaço a rostos cansados, camisas molhadas e cabelos ao vento. Nada ali, nenhuma postura se torna mais importante do que emocionar. Informar tocando o telespectador.

Neste momento, a referida imagem de descuido e falta de preocupação com a aparência, que em outras situações seria motivo de críticas e de desvio da atenção do fato narrado pelo telespectador, passa a ser agente facilitador. Ou seja, o receptor da mensagem, emocionado com o alto grau de envolvimento do repórter, com a vivência do fato, se aproxima do acontecimento, tendo pena, elogiando e até mesmo sentindo orgulho do profissional. Assim, a informação fica mais bem aceita. O que era erro, vira acerto.

A catarse, que em comunicação é considerada a grande descarga de sentidos e emoções, precisa ser canalizada e tida como o grande filão da eficiência de telejornalismo. Portanto, seja como for, informar é extremamente necessário. Agora, tocar, emocionar e marcar, é essencial. O repórter e a imagem passam a ser únicos e incomparáveis.

Texto também publicado no Observatório da Imprensa.